O que Darwin descobriu

O que Darwin descobriu

Ernesto Cardenal



O futuro infinito chamado Deus
um Deus que é Deus da novidade
a infinita novidade da evolução
evolução contra o status quo
que tanto desejam os banqueiros

“Deus”: imperfeita concepção
como também o é o elétron
sem que o elétron seja ilusão
A explicação do Holocausto:
Que para criar deixou de ser Deus
Criação como kénosis (esvaziamento
de Deus), impotente diante de Pinochet
E um Deus não antropomórfico,
mas com o qual eu posso falar

Muito em comum com o mamífero
e muito em comum com o peixe:
olhos iguais e o mesmo fígado
maior ainda a união no embrião:
quadrúpede e peixe, o mesmo embrião
ainda que nós sem estômago depois

A vida saiu à terra
e começou a andar
peixes resvalantes
apoiando-se em barbatanas
como muletas
do limite aquático
ao ar ilimitado
quando seca uma poça
sobrevive-se
andando até outra poça
e as barbatanas se tornaram patas

O grande mistério da vida
tem todos a mesma origem
e que corpos tão diferentes
procedam de uma só célula
parentes de todas as espécies
das orquídeas às lombrigas
bactéria gradualmente dinossauro,
logo o dinossauro se tornou ave
também nosso ancestral molusco
Há somente um animal
Em um universo quântico não local
onde estamos interconectados
apesar das imensas distâncias
Será a aniquilação
o fim do universo?

A evolução nos une a todos
vivos e mortos
O que Darwin descobriu
(que viemos de uma só célula)
é que estamos entrelaçados
se um ressuscita
todos ressuscitam.

Ernesto Cardenal reconhece que, há alguns anos, a Ciência é a fonte de inspiração de sua poesia e de seus ensaios. O último deles, que dá título ao livro Este mundo y outro (2011), reflete sobre a origem do cosmo e o lugar do ser humano na imensidão do Universo. “Leio livros de Ciência como uma oração. Eles me revelam a grandeza e o mistério que imaginamos que é Deus”.

Ele menciona santos (como: São Paulo, São João e Santo Agostinho) e cientistas. Entre eles, J. B. S. Haldane, biólogo que afirmou que a Ciência está mais próxima de Deus do que a religião. Cardenal concorda: “É um caminho mais direto”, e começa complicada reflexão em torno do que os cientistas chamaram de matéria escura ou “grande nada”, caso o grande nada seja o grande todo, e Deus pinte algo nessa história. Da mesma forma, o ateísmo chega a Deus, assinala, citando um místico sufi do século XIII”. (Diário ABC, Madri, 10 de junho de 2012, entrevista de E. Vasconcelos).

 

Ernesto Cardenal

Manágua, Nicarágua