Muita Gente Simples, em Lugares Simples,

Muita Gente Simples, em Lugares Simples, Fazendo Coisas Simples...
Transformam o Mundo!
 

Begoña Iñarra


O ‘outro mundo possível’ não chegará de surpresa; pelo contrário, uma lenta caminhada de transformações pequenas. Pedimos à amiga Begoña Iñarra, que percorre continentes animando as lutas cotidianas, para compartilhar conosco momentos e ações sobre as coisas pequenas, em tantos lugares pequenos. As iniciativas certamente nos inspirarão...

MOVIMENTO ECOLÓGICO

Com seu conceito de interdependência de tudo com tudo no universo, mudou a maneira de nos situarmos na natureza. Antes ficávamos fora dela, por cima, como “donos”, e a explorávamos para nosso benefício. Hoje, conscientes de que a humanidade é parte do ecossistema, somos parte dela, e cuidar é cuidar da vida. Responsáveis pela vida, começamos a agir.

O Movimento Desperdício Zero reduz a quantidade de material procedente do ambiente natural (resíduos e dejetos), maximiza a reciclagem de matérias-primas, diminui a produção e economiza energia. Porém, é principalmente um estilo de vida ecológico. Convida a mudar hábitos de consumo e modos de produção. Promove ações na extração, produção, distribuição, consumo e descarte de materiais. Devem ser aproveitados, reutilizados e reciclados. Isso reconstrói a economia local, melhora a saúde da comunidade, do meio ambiente e proporciona trabalho. Comunidades, cidades e empresas estão empenhadas no Desperdício Zero.

A Municipalidade de Fort Collins (Colorado, EUA) oferece incentivos para lutar contra o ‘usar e tirar’. O pagamento da coleta de lixo aumenta com o volume de resíduos gerados, enquanto se recolhem gratuitamente os produtos para reciclar. Os lares economizam dinheiro ao diminuir o lixo. Em 2010 foram reciclados 50% dos produtos descartados.

A campanha Coreia Zero Resíduos conscientizou as redes de fast food, o público e governo a reduzir o uso de produtos descartáveis (30% dos dejetos urbanos). O governo obriga a reciclar ou devolver 90% dos artigos descartáveis. Copos de papel, guardanapos e outros elementos não recicláveis foram substituídos por materiais não descartáveis. Já existem empresas certificadas com Zero Waste.

Bizi (viver, em basco) desenvolve alternativas e convida a população a se comprometer na transição social e ecológica. Contribui para a luta global contra a mudança climática. O grupo Alternativa, conhecido em toda a Europa pelas iniciativas cidadãs, demonstra que se pode construir uma sociedade mais justa e unida. A Aldeas Alternativa divulga e descobre soluções concretas para o desafio climático em diferentes áreas. Os números chegaram a 130 na França, Europa e Haiti. A Aldea Alternativa Paris 2015 apresentou 400 iniciativas e recebeu 60 mil visitantes. O Tour Alternativa 2015 percorreu 5 mil km em seis países europeus com bicicletas normais e tandens, símbolo da solidariedade e do esforço coletivo frente à transição ecológica. E mobilizou 55 mil pessoas. Hoje, Bizi tem grupos de consumo responsável, bancos éticos, moeda local (euzko), gestão de dejetos, redução dos gastos não ecológicos, transição energética e moradias. Organiza eventos para atrair a imprensa e organiza formações sobre problemas atuais.

A Energia Alternativa é um chamado a diminuir o consumo. Diante da crise energética, surgem possibilidades que substituem a energia fóssil por energias renováveis. Compromete-se a diminuir o consumo de energia, essencial para respeitar o planeta e conseguir o decrescimento.

A Cooperativa Enercoop produz energia verde. E a distribui a particulares e empresas que se comprometem a diminuir o consumo de energia. O conceito é propagado na Bélgica e França. O projeto Energia Solidária propõe a membros da rede (cooperativistas, consumidores e empresas) doar na fatura de energia para apoiar famílias em situação de precariedade energética.

O Povo Bioenergético, de Jühnde, na Alemanha, é autossuficiente em energia. Essa cooperativa construiu centrais elétricas para produzir calor e eletricidade: a partir de biogás e madeira procedentes das terras das pessoas. A descentralização da energia na Alemanha e os empréstimos para tecnologias renováveis fazem que hoje cidadãos, agricultores e pequenas empresas produzam energia, construam a rede elétrica e vendam o excedente de eletricidade.

MUDANÇA DO SISTEMA AGRÍCOLA

A levedura transforma a massa e produz mudanças na sociedade. A mudança do sistema agrícola para uma agricultura ecológica, de respeito ao ambiente, vem muitas vezes unida a um estilo de vida ecológico, simples e sustentável. Outra maneira de se relacionar com a natureza e as demais pessoas.

O Movimento Internacional Via Campesina reúne organizações camponesas, pequenos agricultores, povos indígenas e trabalhadores do campo. Juntos defendem a agricultura camponesa e a soberania alimentar, como meio de promover a justiça social e a dignidade, a fim de conseguir o Bem Viver das comunidades rurais. Via Campesina se opõe à agricultura industrial e às empresas multinacionais que destroem o meio ambiente. As mulheres têm papel central na Via Campesina, que defende a igualdade de gênero, e reúne em 182 organizações cerca de 200 milhões de camponeses de 81 países da África, Ásia, Europa e Américas. Conseguiu que a voz dos camponeses fosse reconhecida nas instituições que tomam decisões e afetam a vida dos agricultores. A Via Campesina está presente em reuniões internacionais, apoiando lutas e resistências de pequenas comunidades de camponeses.

Vandana Shiva e Navdanya. Em 1967, a revolução verde na Índia conseguiu a autossuficiência alimentar e evitou a fome, mas destruiu terras férteis e camadas subterrâneas. Vandana Shiva, consciente do perigo dessa agricultura para a soberania alimentar, fundou a Navdanya (“nove sementes”, em hindu), para promover a agricultura tradicional orgânica e proteger a biodiversidade agrícola na Índia e se contrapor às multinacionais que a põem em perigo. Vandana defende a independência dos trabalhadores rurais. Em 1995 comprou e regenerou parcela superexplorada, na qual estabeleceu uma granja-modelo, hoje um banco de sementes para 10 mil agricultores da Índia, Paquistão, Tibete, Nepal e Bangladesh, que praticam a agricultura orgânica. Cada agricultor que recebe sementes as reproduz e as oferece a outros agricultores. Por sua vez repetem o movimento. Em 2002, a Associação fundou a Universidad de la Tierra, com programas de gestão da água, vida do solo, soberania alimentar e ativismo. Vandana luta também pelo ecofeminismo, movimento que promove a mulher e coloca a ecologia no centro. Reconhecer o saber da mulher em uma sociedade machista muda o status, autêntica revolução.

A Granja Songhai, criada em Benin por um religioso dominicano para lutar contra a pobreza e a má nutrição na África, é exemplo de desenvolvimemto agrícola sustentável. Princípios: trabalhar sem produtos químicos, produzir bio para melhorar a saúde e o solo, valorizar o saber tradicional e pessoal. Os produtos - frutas, verduras, peixes, porcos, aves de curral e pratos de cozinha - são comercializados e consumidos localmente, melhorando a economia. Os 400 alunos granjeiros formados anualmente aprendem a trabalhar de maneira rentável, em harmonia com a natureza. De volta a sua aldeia, levam explorações biomodernas, que lhes permitem viver bem. Songhai é resposta à pobreza e à destruição do meio ambiente, e contribui para restaurar a dignidade da população africana. Foi reproduzido na Nigéria, Serra Leoa, Libéria e outros países da África.

Cáritas Adigrat, em Tigray (Etiópia). Nos anos 80 muitas colinas da Etiópia haviam se tornado estéreis. O solo das ladeiras, convertido em pó pela seca, era arrastado pelas fortes chuvas. A terra não produzia a comida necessária para a população. Programas de plantação de árvores em solos degradados, construção de viveiros e formação da comunidade em técnicas agroflorestais melhoraram o solo, aumentaram o rendimento dos cultivos, produção de biomassa, recuperação da água subterrânea e evitaram inundações. Cáritas construiu uma represa, criou reservatórios de captação de água, poços para água potável, cisternas para recolher a chuva e trincheiras e diques para restaurar a água subterrânea. A proximidade da água permite cultivar verduras, tomates e especiarias durante todo o ano e plantar árvores frutíferas. E favorece a apicultura com modernas colmeias. Tudo isso melhorou a nutrição, segurança alimentar e renda familiar.

A permacultura observa a natureza para aprender, vê plantas e animais como sistema e promove maneira holística de viver, cuidando do planeta. A permacultura regenera solos e incentiva a soberania alimentar.

Mariko Majoni, em Malawi, como muitos outros pequenos agricultores africanos, não conseguia pagar os fertilizantes. Seu solo se esgotou e diminuiu a colheita de milho. Quando soube das árvores fertilizantes, mudou a forma de cultivar. Plantou mudas de acacia albida entre as fileiras de milho. As folhas, ricas em nitrogênio, fertilizam o solo e as raízes profundas. E agregam nitrogênio e carbono. Depois de seis anos, Mariko colhe dez vezes mais, e vende o excedente. Os vizinhos adotaram a mesma prática.

Em Huertas Urbanas (Todmorden, aldeia da Inglaterra de 15 mil habitantes) um grupo de vizinhos decidiu colaborar com o bem-estar de todos e convidar outros a fazerem o mesmo. Converteram os espaços públicos em hortas para produzir alimentos de qualidade. Ali, em todo terreno público, plantam-se hortaliças, 280 voluntários cultivam verduras e árvores frutíferas em 70 espaços públicos dois dias por mês. Aprendem uns com os outros. Apoiam granjeiros e agricultores locais e ensinam crianças, jovens e cidadãos a cultivar alimentos, criar galinhas, abelhas, e viver outro estilo de vida. A comunidade se abastece durante todo o ano e cada vez mais pessoas compartilham a responsabilidade do bem-estar. O modelo se propagou a cidades da Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Austrália, Espanha, França, Índia, China, Brasil, Chile...

Sweet Water Organics, perto do Lago Michigan (EUA), transforma fábricas e escritórios abandonados em produção de vegetais e peixes, em simbiose. As verduras são cultivadas sobre tanques de peixes cujos excrementos alimentam as plantas. E por sua vez purificam a água para os peixes. A granja produz alimentos saudáveis perto da cidade, é autossuficiente, cria empregos e reutiliza instalações industriais abandonadas. Um espaço de debate e informação sobre a agricultura orgânica urbana, visitado por muitas pessoas que desejam replicar a experiência.

Yacouba Sawadogo desafia o deserto do Sahel plantando árvores em Burkina Faso. Nos anos 70, quando o avanço do deserto forçou os trabalhadores rurais a fugir, Yacouba decidiu ficar e repovoar a região. E 40 anos depois converteu 3 milhões de hectares de terreno desértico em terras de cultivo. Empregou a técnica tradicional Zaï - cavar buracos de 20 centímetros, nos quais se depositam esterco e adubo junto com as sementes.

Economia Circular. Nas últimas décadas se multiplicaram iniciativas ao redor de uma economia centrada na pessoa e suas necessidades. Baseia-se na solidariedade, bem comum, sustentabilidade e trabalho digno. E gera recursos suficientes para todos. Para haver o essencial, essa economia deve ser frugal e solidária.

EMPRESAS SOCIAIS OU SOLIDÁRIAS

Com projetos sociais ou ecológicos, reinvertem parte dos benefícios em sua missão. Praticam a economia circular, como alternativa à economia neoliberal, embora as duas coexistam.

Nas Cooperativas de Mondragón (CM), os trabalhadores são donos da empresa e a administram coletivamente. O grupo integra cooperativas autônomas e independentes, com compromisso social e solidário entre elas e a sociedade. Na década de 1950, o padre José María Arizmendiarrieta inspirou o desenvolvimento de uma série de indústrias de propriedade coletiva para empregar os jovens da região de Mondragón (País Basco, Espanha).

Sua visão era simples: se os trabalhadores fossem proprietários, a riqueza seria distribuída entre eles e a comunidade. Primeiramente criou uma escola profissional para formar técnicos para as empresas da área. Tutelados pelo padre, grupos de alunos fundaram várias empresas cooperativas unidas entre si. Baseavam-se nos valores de cooperação, participação, inovação e responsabilidade social. Cada cooperativa doa 10% de seus lucros anuais a projetos de bem-estar e educação e outros 10% a empreendedores sociais.

A expansão da rede de empresas reforça a economia regional. A Caja Laboral, hoje Laboral Kutxa, foi criada para financiar o desenvolvimento das cooperativas do grupo. Lagun Aro, cooperativa de bem-estar social, oferece seguros de saúde e fundos de aposentadoria complementares. Eroski, no setor da distribuição, proporciona os bens necessários a preço justo. Hoje, as Cooperativas de Mondragón são o primeiro grupo empresarial do País Basco e um dos mais relevantes da Espanha, com filiais produtivas e presença comercial nos cinco continentes. Têm 74 mil trabalhadores em 268 entidades, uma universidade própria com nove campus; 15 centros de pesquisa e desenvolvimento e promoção de novos negócios.

EDUCAÇÃO PARA TRANSFORMAR A SOCIEDADE

A Universidad de los Pies Descalzos, em Rajasthan (Índia), capacita homens e mulheres de áreas rurais, em sua maioria analfabetos, para se tornarem engenheiros solares, artesãos, dentistas e médicos nas próprias aldeias e encontrar soluções para os problemas. O processo educativo mostra um desenvolvimento comunitário sustentável com estilo de vida simples, ao estilo de Gandhi, e salário que permita viver de maneira simples. A universidade aborda problemas rurais, de saúde, formação para mulheres, eletricidade, energia e água potável, conservação ecológica e equidade social. Construída pela comunidade local, a universidade está eletrificada com energia solar.

Os alunos adquirem o saber fazer prático. O mestre aprende do estudante e o estudante é mestre, porque todos têm competências, sabedoria, conhecimento e habilidades, embora não tenham formação acadêmica. A formação lhes proporciona ferramentas e habilidades para melhorar a vida. A dificuldade é convencer as pessoas de que uma pessoa iletrada proporcionaria serviços competentes, profissionais, e de apoio, como qualquer doutor, mestre, engenheiro, arquiteto. No programa de energia solar jovens desempregados e mulheres se tornaram engenheiros de sua especialidade.

De volta às comunidades instalam, mantêm e reparam sistemas de eletrificação com energia solar. Isso melhora a vida e a economia. E reduz as emissões de CO2 do querosene. Mais de 4 mil meninas e 2250 meninos que trabalham durante o dia no campo com o gado, participam na educação noturna. Com matérias acadêmicas (leitura e matemática), aprendem a cuidar dos animais. Outros aprendem a regenerar os solos pelo cultivo, semeadura de árvores, pastos e arbustos resistentes.

A população converteu mais de 500 hectares desérticos em pastos e construiu 470 tanques subterrâneos para recolher a água da chuva. É possível misturar métodos e habilidades tradicionais com métodos mais modernos, proporcionando soluções sustentáveis.

LUGAR E PAPEL DA MULHER

Ação Massiva pela Paz das Mulheres da Libéria. Em 2003, durante a desumanizante guerra da Libéria, milhares de mulheres de organizações muçulmanas e cristãs, indígenas e de elites da América e da Libéria, lideradas por Leymah Gbowee, lançaram uma campanha não violenta pela paz. Estavam unidas pelo slogan “Tomemos o destino desta pequena nação em nossas mãos”. Organizaram protestos silenciosos não violentos, utilizaram o rádio para difundir mensagens e captar adeptos, mantiveram uma greve, uma greve sexual (negando relações sexuais aos companheiros ou maridos até acabar a guerra) e ameaçaram com uma maldição aos que não tentassem a paz. Fizeram protestos de oração e bailes no mercado dos peixes, em frente ao palácio do presidente, para obrigá-lo a recebê-las e comprometer-se a assistir às negociações de paz.

E o mesmo com os líderes rebeldes. Não representadas nas negociações, recolheram fundos para enviar uma delegação onde aconteciam as tratativas. Fizeram “cadeias” agarradas pelos braços para impedir a saída dos negociadores até assinarem a paz. Quando a polícia quis desalojá-las, ameaçaram desnudar-se diante deles, o que em muitos países africanos é maldição terrível para quem o provocou. E o conseguiram: as diferentes facções assinaram a paz! As mulheres estiveram ativas nas eleições e uma mulher, Ellen Johnson Sirleaf, a primeira mulher presidente, e Leymah Gbowee, compartilharam o Prêmio Nobel da Paz em 2011. O comportamento dessas mulheres é lição democrática e pacifista a nos inspirar.

DEMOCRACIA DIRETA

Fideicomisso do Caño Martín Peña. Nas margens do Caño (rio) Martín Peña, em San Juan (Porto Rico), há oito comunidades (cerca de 26 mil moradores) em assentamentos informais, sem rede de esgoto e água potável. A água do Caño não tem saída, está contaminada. Quando chove o assentamento fica inundado. Os habitantes se organizaram para exigir a dragagem do rio e a instalação de infraestrutura sanitária. Conscientes de que recuperar o rio aumentará o valor da terra, com apoio do exterior, a comunidade redigiu um fideicomisso (titularidade coletiva) para regularizar a posse da terra e dificultar a venda de parcelas individuais, evitando serem deslocados.

Os vizinhos criaram a Corporação Enlace, dirigida pelos moradores, e a Associação G-8 (oito comunidades), para assegurar a participação cidadã. Os dois grupos trabalharam com um modelo participativo (planejar, agir, refletir) para superar a marginalização e pobreza e serem protagonistas de seu desenvolvimento. O fideicomisso assegura a propriedade da terra como comunidade, e foi a coluna vertebral do processo. Permite-lhes ter créditos para melhorar sua casa.

Nesse trabalho coletivo, os vizinhos aprenderam a colaborar. O projeto é um modelo de recuperação ecológica, social e cultural para o mundo inteiro. Sinal de esperança e inspiração para outros assentamentos irregulares.

Marinaleda (Sevilha, Espanha) é um município agrícola com cerca de 2 mil habitantes. Nos anos 60, a metade dos habitantes, muito pobres, emigrou para sobreviver. Durante os anos 80, animados pelo prefeito, que fundou o movimento “A terra para quem trabalha nela”, empreenderam protestos (greve de fome, ocupação de fazendas, de aeroportos, estações de trem, bancos...) para reclamar a propriedade das terras. Ocuparam um grande terreno e nele estabeleceram uma cooperativa agrícola. Conseguiram a propriedade coletiva.

Uma segunda cooperativa foi formada para transformar os produtos agrícolas. Hoje, a maioria dos habitantes trabalha nas duas cooperativas (propriedade dos trabalhadores) com salário digno. Os que não trabalham para o setor público vivem indiretamente das cooperativas. Todos os trabalhadores públicos ganham o mesmo no povoado. Desde o prefeito até quem trabalha no campo. As decisões (emprego, moradia, impostos) são tomadas em assembleia. As pessoas votam cada vez que algo as afeta.

Em Marinaleda não há policiais e nem multas. A política de moradias é a autoconstrução. A Prefeitura proporciona os terrenos, o arquiteto e operários profissionais para construir moradias, e o cidadão ajuda com 400 dias de trabalho. Paga renda de 15 euros por mês para cobrir os materiais. A casa pode ser passada de geração em geração, mas nunca vendida. No povoado, não é permitida a especulação.

Emmaüs (periferia de Pau, França) é uma povoação de utopia. Alternativa humana, social, ecológica, econômica, política e solidária, baseada na ajuda mútua, compartilhando a justiça. O projeto inicial de reabilitação de pessoas pela reciclagem de resíduos, dejetos e objetos usados, e pela convivência, fez com que se tornasse um povoado com grande diversidade de atividades. Há oficinas de reparação, criação e transformação de objetos; lojas para vender tudo o que se fabrica e se conserta; granja ecológica com agricultura de respeito à natureza e animais; cozinha com produtos da granja; formação nas oficinas; lugares de acolhida.

Objetos e pessoas encontram uma segunda vida. Tudo orientado para facilitar a solidariedade. E todos participam na construção do povoado e na reconstrução para quem necessita. Os companheiros, além do trabalho, têm vida rica e interessante: atos culturais, conferências-debates, exposições, festival de música anual e participação em movimentos solidários com Cuba, Palestina e Bolívia. Não se tira nada. O que não pode ser reparado é enviado para reciclagem. Emmaus é um laboratório de inovações de sociedade. Constrói um mundo mais justo a partir de um projeto alternativo original, que acolhe 140 companheiros, assalariados e voluntários.

Ali se sente o prazer de viver juntos. Lá, o decrescimento é viver com alegria, em ambiente de liberdade e solidariedade.

EDUCAÇÃO PARA A DIFERENÇA

A Escola da Diferença, em Orán, Argélia, reúne uma vez por ano jovens de diversos países. Cristãos, muçulmanos, judeus, não crentes. Para viver uma experiência de dez dias de multiculturalidade.

A capacidade de viver pacificamente a diferença contribui para a paz e o progresso dos povos. Mas com frequência a diferença é hoje percebida como perigo. A Escola da Diferença oferece a jovens (20-30 anos) uma experiência que os prepara para viver o desafio. Os tempos de reflexão e convivência permitem perceber que “o outro” pode estar profundamente conectado com suas raízes espirituais, e a espiritualidade é parte da solução, não o problema.

Em 2017, jovens da Alemanha, Argélia, Burkina Faso, Espanha, França, Itália, Madagascar, Senegal e Sri Lanka trabalharam sobre sair da zona de conforto, viver em harmonia com o planeta, a não violência ativa, assédio e discriminação, construir uma humanidade plural, amar a Deus e ao próximo como fundamento de toda religião.

Todos os dias chegam pessoas que vivem a diferença como riqueza: um fotógrafo do Sudão/Argélia, um casamento islâmico/cristão, uma promotora de ecoturismo, vítimas de discriminação que aprendem a reclamar seus direitos, um grupo teatral…

BANCOS E FINANCEIRAS SOLIDÁRIOS

Oferecem serviços bancários e de crédito adaptados às necessidades específicas de pessoas e grupos sem acesso ao crédito. Permitem pessoas e organizações de solidariedade apoiar projetos econômicos sociais e solidários. As finanças alternativas e poupança/investimento ético e solidário aumentam no mundo. Em 2016, na França, 2,6 milhões de pessoas investiram 32 milhões de dólares em projetos solidários ou sociais.

Banco Palmas é um banco comunitário de desenvolvimento, fundado pela comunidade que mora em Palmeiras, subúrbio de Fortaleza, ainda hoje gerente e proprietária. O banco opera sob o princípio da economia social e solidária, e apoia empresas solidárias. Os benefícios são utilizados para criar redes locais de produção e consumo, e promovem o autodesenvolvimento de áreas de baixa renda.

Executa projetos de economia solidária centrados principalmente na superação da pobreza urbana e rural, atua em áreas caracterizadas por alto grau de exclusão e desigualdade social. Outorga microcréditos para a produção e consumo local com juros baixos e sem garantias (os vizinhos garantem a confiança). Proporciona acesso aos serviços bancários aos moradores das comunidades mais pobres que não têm acesso aos bancos tradicionais, pela falta de garantias financeiras

e/ou distância física. É o primeiro dos 52 bancos comunitários atuais no Brasil que formam a rede de “Bancos de Desenvolvimento Comunitário” (BDC) para gerar empregos e renda.

A Oikocredit surgiu em 1968 no Conselho Mundial das Igrejas (CMI), hoje investidora global social e cooperativa. Oferece serviços financeiros a pessoas de baixa renda, com ênfase em cooperativas, áreas rurais, mulheres, agricultura, comércio justo e pequenas e médias empresas. Para garantir que os pobres obtenham acesso a instrumentos financeiros seguros para construir uma vida melhor. Oferece aos investidores um tríplice rendimento: financeiro, social e ambiental.

Os investidores sabem que seu dinheiro é utilizado para melhorar a vida de pessoas, lares, comunidades e planeta. Para que isso seja real, os sócios são selecionados cuidadosamente, supervisionados, apoiados com avaliação equilibrada dos compromissos sociais. Oikocredit oferece assessoramento e desenvolve capacidades dos sócios para os projetos serem eficazes e efetivos.

No Babyloan, portal web de solidariedade de microcrédito, os usuários de internet optam por emprestar, a partir de 20 euros, a microempresários em países em desenvolvimento. Mais de 17 mil já participam solidariamente.

CROWDFUNDING (financiamento coletivo)

Um grande número de investidores financia, pela internet e sem intermediários, com quantidades reduzidas, projetos que podem ter alcance e impacto significativos. O investidor/poupador decide em qual projeto social ou solidário investir, e supervisiona seu desenvolvimento pela internet. O promotor do projeto que busca financiamento publica seu projeto para atrair os fundos necessários.

Fadev (Fundo de Desenvolvimento da África, com sede em Paris) é plataforma de crowdfunding. Com o apoio de sócios (fundos de desenvolvimento, bancos-cooperativos) e contribuições individuais, inclusive da África, apoia projetos de desenvolvimento na África.

Solylend (empréstimo solidário), plataforma de financiamento coletivo, promove o investimento com rosto humano para financiar projetos de economia social e solidária em países emergentes.

Conecta investidores com companhias em torno de projetos inovadores, ecológicos e sustentáveis, e permite o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida.

As Viviendas Ndo’o (sede em Burdeos, França) propõem contêineres reciclados baratos como moradias, escritórios ou lojas sustentáveis para resolver a crise da moradia.

Outro exemplo é a Sunna (Blanquefort, Gironde, França). Vende equipamentos elétricos solares com telefone adaptado a redes de pouco alcance e conexão de aparelhos. O equipamento é pago pouco a pouco, segundo a decisão da família.

MOEDA COMPLEMENTAR

Criada de forma democrática, descentralizada e comunitária. Permite consolidar e potencializar economias locais com base na proximidade e conhecimento mútuo. Faz circular o dinheiro na economia real local, favorecendo-a. Essa moeda não produz interesses e não há possibilidade de especular com ela. Muitas delas são eletrônicas.

La Libra de Bristol vale uma libra esterlina e foi lançada em 2012, em Bristol (Reino Unido). Impulsiona o comércio local, evita produtos e serviços oferecidos por grandes empresas (extraem o dinheiro das cidades). São três os métodos de pagamento: em dinheiro, por telefone ou em plataforma digital. Quem usa a moeda tem descontos.

O Túmin (dinheiro, em Totonaca) é a moeda de Veracruz, México. Nasceu em 2010, com a crise econômica, para desenvolver a economia local a partir de rede solidária. Ao circular internamente, ativa o consumo de produtos locais, barateando custos e promovendo intercâmbios. Uma espécie de permuta. Hoje se estende por mais de 16 estados mexicanos.

MORADIA

Covivienda (cohousing) é comunidade formada por pessoas que compartilham serviços comuns em um grupo de moradias privadas. A construção ou reforma são planejadas e administradas conjuntamente pelos moradores, conforme o modelo que eles próprios decidem para responder às necessidades específicas. Seguem princípios ecológicos sociais de organização, sustentabilidade e economia energética. É uma forma alternativa de vida com pessoas interessadas em mudar o mundo.

Na Espanha, os primeiros projetos de cohousing foram criados por comunidades de idosos. Eles decidiram: espaços comuns pedem pequenos pomares para cada um trabalhar ao ar livre quando quiser. Ou espaços de leitura comuns, ou espaço para um fisioterapeuta ou demais serviços.

O Movimiento de Ciudades en Transición ataca as três grandes ameaças globais: mudança climática, pico do petróleo e crise econômica. Para isso promove o decrescimento e a recuperação da agroecologia, a permacultura, consumo de bens de produção local e/ou coletiva.

Viver em harmonia com a natureza, passando da dependência do petróleo à resiliência local. Isso muda o comportamento em todas as esferas da vida: reduz o consumo de energia fóssil, reconstrói uma economia local forte e sustentável. Seu êxito se deve a quem vê a transição como oportunidade para nossas comunidades darem um giro positivo.

Em Totnes (Inglaterra) há 7 mil habitantes. Estão vivendo a revolução silenciosa da ‘transição’. Revolução da comunidade que toca aspectos minúsculos da vida cotidiana: reduzir o uso do carro, evitar viajar de avião, consumir apenas o necessário, comprar verduras de temporada produzidas localmente, consertar os aparelhos, remendar a roupa, reciclar. Para reduzir o uso do petróleo e das emissões de CO2. Iniciativas como a libra de Totnes, a moeda social que fomenta a economia local; o Foro de Empreendedores Locais, no qual empreendedores e investidores desenvolvem negócios em âmbito local. Fomentam a economia local. Nas ruas em transição vizinhos se juntam para economizar energia coletivamente (550 lares economizaram 1,3 toneladas de CO2). Instalaram a energia solar. Os 40 cafés locais se uniram para evitar a abertura de cadeias multinacionais. Há grupos de trabalho e hortas cidadãs.

ECONOMIA CIRCULAR (Social Enterprises)

M-Kopa (pedir emprestado, em swahili) oferece microcréditos a lares pobres, com energia verde a preços baixos. Nada menos de 600 milhões de africanos sem eletricidade se iluminam com lâmpadas de querosene ou vela. E usam baterias para os aparelhos, com gasto de 200 dólares ao ano. -Kopa oferece um kit (painel solar de 8 watts para três lâmpadas, carregador de celular e rádio). Uma economia por família de 250 dólares nos próximos quatro anos.

O sistema de pagamento com celular é acessível. M-Kopa conectou 600 mil casas no Quênia, Uganda e Tanzânia, com eletricidade solar, diminuindo emissões de CO2 em mais de 380 mil toneladas ao ano. O modelo é eficiente e a taxa de reembolso é muito alta.

No Sunny Money encontram-se painéis solares a baixo custo. Em Malawi, Zâmbia, Quênia e Tanzânia. Reduzem o consumo de combustível e baterias, melhoram o trabalho, a visão, a escolaridade e a segurança. Graças a isso, desde 2011 mais de 10 milhões de pessoas têm eletricidade, energia solar limpa.

E-Farm é plataforma web e móvel para comprar e vender produtos agrícolas. Assegura a seus clientes avisos por SMS, suporte de chat em linha 24 horas, sete dias da semana, nos Camarões, África, e no resto do mundo. Conecta agricultores africanos e distribuidores de produtos a compradores de todo o mundo, transformando os mercados agrícolas locais em globais. E-Farm sensibiliza agricultores, comerciantes, pequenos e médios, oferecendo informação e oportunidades.

ECOALDEIAS (GEN, Global Ecovillage Network)

A Rede Global de Ecoaldeias trabalha por um mundo de cidadãos e comunidades que executem caminhos para regenerar o futuro. Constrói pontes de esperança e solidariedade internacional.

Na Escócia, a Comunidade de Findhorn foi a motivadora da Rede Global de Ecoaldeias, que impulsionou novos projetos na criação de redes em cada continente.

Em Portugal, a Comunidad de Tamera baseia sua convivência na não violência. Centra-se na formação de pessoas de paz e promoção de mudança em áreas de conflito, como favelas, Faixa de Gaza e Senegal.

CONCLUSÃO

Tantas iniciativas simples, totalmente conscientes, feitas por gente simples e anônima, mas com muita fé. Às vezes em situações heroicas, em tantos países, por todo o mundo... Mostram que as alternativas existem. A partir do simples, forjam, pouco a pouco, a Grande Utopia, o outro mundo possível. Compatível com os limites da Terra. Justa, humana e solidária.

São processos lentos. Passo a passo, demoram a se estender. Mas estamos em momento importante, alcançando um ponto crítico nas centenas de alternativas. Mudar de ótica e chegar às decisões. E dali ajudar a iniciar uma dinâmica de Grandes Transformações.

 

Begoña Iñarra

Bruxelas, da Rede de Fé e Justiça África-Europa