Indignados pela dignidade

Indignados pela dignidade

Maria LÓPEZ VIGIL


Os indignados que têm lotado as praças em toda a Europa, também em Israel, os que ocupam Wall Street e a cidade de Londres, os que continuarão aparecendo neste momento da história, estão indignados fundamentalmente pelas consequências perversas da cada vez mais poderosa engrenagem da economia globalizada, que está varrendo já, sem piedade, as conquistas sociais dos países do Norte, aumentando a distância que separa aqueles que acumulam escandalosamente e aqueles que veem se reduzir o que pensavam estar seguro: seu “Estado de Bem-Estar”. Reclamam por uma “democracia real” que, para ser real, deve ser também democracia econômica.

Seus slogans, as imagens de seus rostos jovens furiosos exigindo direitos, o que eles merecem, pondo o dedo e o grito nas feridas desse sistema, têm trazido oxigênio à aldeia global. Quando a juventude do Norte parecia adormecida, adoçada, acomodada, despertou-se e indignou-se. Os mais otimistas anunciam uma “revolução”. Eu sinto falta em seus slogans e em suas reivindicações de um olhar ao Sul do planeta, à relação existente entre o enriquecimento desmedido de seus bancos e suas corporações com o empobrecimento de tantos países, que começou muito antes das praças do Norte se encherem de tão justificada indignação.

Escrevo e reflito a partir da Nicarágua, indignada por muitas das faltas de dignidade que encontro neste país, um dos mais empobrecidos do continente. Eu o tenho escavando em minha memória.

Há palavras que marcam momentos da história. Recordo, nos anos 80, a força que tinha a palavra «organizado» em El Salvador. Significava muito, significava tanto. Quem estava organizado, era consciente de tudo o que estava acontecendo no país. Sentia-se comprometido a redirecioná-lo. E, além de protestar, os organizados estavam dispostos a arriscar a vida nesse esforço, tal como se ouviu uma camponesa anciã, que resumia assim a história de sua terra natal e a de outros organizados como ela: “Primeiro morríamos. De fome. Depois reivindicamos. E nos matavam. Agora, damos a vida pelo povo, que já é muito diferente.”

Há outro ancião, este francês, lutador contra o nazismo, que tem marcado este momento da história com esta palavra: indignado. Stéphane Hessel pediu à juventudo do mundo que “assuma” e que lute, que se indigne. Milhões leram sua mensagem e milhões se indignaram, mobilizados pelas suas palavras. Anos antes, Paulo Freire, o Mestre, pioneiro e visionário, já ancião, escreveu antes de morrer um de seus últimos textos, Pedagogia da Indignação, publicado postumamente. “Eu não morreria em paz – disse – sem proclamar que sou um pedagogo indignado.”

Três anciãos, em três pontos distantes do planeta, têm algo a dizer aos jovens indignados de hoje.

O que significa estar indignado? Significa busca, reivindicação, proclamação de dignidade. Significa, acima de tudo, não só estar, mas sim ser indignado, manter-se indignado.

Indignamo-nos quando nos arrancam a dignidade, negando-nos oportunidades de emprego, ou quando não nos pagam um salário “digno”. Quando os políticos que elegemos não nos representam. Mas se nos indignamos só pelo que antes tínhamos e que agora não temos ou nos tiraram, ou porque aquilo a que aspirávamos já não poderá acontecer, podemos ficar, talvez, na metade do caminho.

Devemos nos indignar por nossa dignidade diminuída ou desconhecida. E por ela nunca ser reconhecida.

Indignados pela carência de vida digna (de água potável, de comida suficiente, de terra própria para semear, de vida sem violência...) que hoje sofre a maioria da humanidade, que nunca, em sua história, conheceu o “estado de Bem-Estar”. Também devemos nos indignar quando o digno curso de um rio se contamina com cianeto, para remover velozmente ouro das entranhas da terra.

Recordando o que nos ensinou a teologia da libertação: indignados contra os que tampouco têm muito e, por isso, não podem viver como irmãos; e indignados a favor dos muitíssimos que não têm nada e, por isso, não podem viver como humanos. Indignados pela dignidade de todos. De todas.

Há que escolher o porquê de nos indignarmos. Hessel propõe a cada jovem que busque ao seu redor, para “que tenha seu próprio motivo de indignação”.

Esses tempos de indignação são tempo de listar o que nos indigna. Podemos escolher por onde começar. De dentro para fora? (em minha personalidade, em minha casa, em meu trabalho, em meu país, no mundo...) De cima para baixo? (no comando das corporações, no governo de meu país, em meu município, em meu bairro...) Por temas? (na política, na economia, nos meios de comunicação, na escola, na igreja...).

E depois de escolher, e depois de expressar a indignação, há que se tirar suas consequências. “Quando algo nos indigna, como a mim me indignou o nazismo – disse Hessel –, nos tornamos comprometidos.” Creio que aí está o “centro do miolo”, como dizemos na Nicarágua, quando queremos ir à raiz de qualquer assunto.

A prova de que nossa indignação não responde nem a uma catarse coletiva, nem a uma moda passageira, nem ao desejo de estar na praça onde estão todos, por gregarismo, é o compromisso que surge da indignação. Sabendo, como temos cantado tantas vezes, que “não basta rezar”, sabendo, como devemos saber hoje, que “não basta gritar”.

Freire, que também chamou “justa ira” a sua indignação, dizia: “Eu sou um indignado, mas não um desesperado.” E o dizia para unir sua indignação com o compromisso. Referia-se, então, a essa indignação, fatalisticamente desesperada, que tem um ponto de comodidade e que hoje também transborda.

A indignação de quem está cansado de lutar, convencidos de que já fizeram tudo o que podiam, sobrecarregados pelo peso da complexidade do mundo atual, pensam que agora a tarefa em transformar a indignação em ação pela dignidade é dos mais jovens ou dos mais valentes, ou dos mais rebeldes, enquanto eles, os já cansados de lutar, talvez anciãos, lhes basta criar agudas palavras de ordem e encher as praças.

Indignar-se é coisa séria. Talvez, é uma das atitudes humanas mais sérias. Como a indiferença – disse Hessel – é “a pior das atitudes humanas”. A indignação dá luz à resistência. A indiferença dá às sombras a cumplicidade com a injustiça.

Tem que indignar-se, tem que resistir, tem que permanecer, como dizia Freire, lutando por “um mundo no qual um pode ser mais gente do que coisa, um mundo em que amar seja mais fácil”.

Mas, como havia entendido muito bem a velhinha salvadorenha, que conheci numa manhã de agosto trinta anos atrás, isso não é fácil. Ela, organizada, indignada, sabia que tem que estar disposta ao perigo, ao risco, até dar a vida.

Palavras de ordem dos «Indignados» espanhóis

- Não é uma crise! É uma fraude!

- Chamam-no democracia e não o é!

- Que não, que não, que não nos representam!

- Se não nos deixais sonhar, não os deixaremos dormir.

- Mãos ao alto, isto é um resgate!

- Não há pão para tanta salsicha!

- Nossas vidas valem mais do que vossos lucros!

- Se lutamos, podemos perder; se não, já estamos perdidos.

- Não somos antissistema, o sistema é antinós.

- Se não temos medo, não têm o poder.

- Erro de Sistema! Reinicie!

- Corte para os mercados, Soberania para o povo.

- Nossos sonhos não cabem em vossas urnas.

- Não nos vamos, nos mudamos para a tua consciência.

- Têm-nos tomado em demasia, agora o queremos tudo.

- Banqueiros ladrões responsáveis pela crise.

- Indignar-se não é suficiente.

- Juventude sem futuro, sem casa, sem shows, sem trabalho, sem medo...

- Pensar não é ilegal... ainda.

 

Maria LÓPEZ VIGIL

Manágua, Nicarágua