Incluir as Pessoas com Deficiência Intelectual

Incluir as Pessoas com Deficiência Intelectual

Serviço especializado de saúde mental e deficiência intelectual
Núria Ribas-Vidal, Meritxell Baró-Dilmé, Susanna Esteba-Castillo, Ramon Novell-Alsina, Girona, Catalunha, Espanha
 


Pessoas com Deficiência Intelectual (DI) ou Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, antes mal chamado de retardo mental, deficiência mental, oligofrenia ou idiotismo são um grupo muito heterogêneo, com diferentes necessidades. A condição se caracteriza pela limitação das funções cognitivas da aprendizagem, habilidades e condutas de adaptação que aparecem durante o período do desenvolvimento, antes dos 18 anos.

Diversos estudos evidenciaram que aproximadamente a metade das pessoas com deficiência intelectual apresentou em algum momento uma enfermidade mental, na maioria dos casos não identificada, portanto não tratada. Igualmente, a dificuldade para conhecer e comunicar os sintomas de uma doença somática dificultará o diagnóstico, circunstância que explica em geral a alta existência de enfermidades orgânicas; e em seguida, o envelhecimento prematuro.

Segundo dados da OMS divulgados em 2017, estima-se que 130 milhões de pessoas têm DI. Os dados que prevalecem variam em função das condições socioeconômicas de cada país e métodos utilizados na percepção da DI, oscilando entre 1% e 3%.

Devemos trabalhar juntos, melhorando a inclusão social, para dignificar sua vida, quer dizer, ser ator e não simples espectador. Mas na maioria dos países a pessoa com DI é estigmatizada por ser diferente, pela inteligência, considerada “anormal”, muitas vezes associada a problemas de comunicação que dificultam a compreensão, pelo aspecto dismórfico e, especialmente, as alterações de conduta que comprometem a vida na comunidade, gerando dupla marginalidade.

Estudos insistem na grande vulnerabilidade das pessoas com DI como vítimas de abusos (físico, psicológico, econômico, sexual, negligência e abandono), e revelam outros fatores que contribuem para um risco maior, além da DI: ser mulher, menor de idade, ter dependência física, psíquica ou emocional, baixo nível econômico, antecedentes de abusos ou história de violência no meio social que vive e/ou familiar, limitações cognitivas e de comunicação que dificultam a capacidade de expressar desejos e necessidades afetivo-sexuais, estabelecer relações de dependência e submissão com o cuidador, principalmente na formação e de acesso à informação, necessitar de intimidade e acessibilidade no meio comunitário, ou viver em situação de isolamento.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU mostra que nenhuma pessoa será submetida a tratamento cruel, desumano ou degradante, e adverte que os estados deverão adotar medidas para proteger pessoas com DI, no meio familiar e fora dele, contra todas as formas de exploração, violência e abusos, incluindo aspectos relacionados ao gênero. Mesmo com boas intenções, na prática são constatados obstáculos de diferentes índoles quando a pessoa com DI procura a Justiça, especialmente se demonstra dificuldades de introspecção e/ou expressão e fluidez verbal.

A situação na América Latina, segundo a publicação de Lazcano-Ponce et al., revela a carência de políticas voltadas para a inclusão de pessoas com DI, o respeito pelos direitos humanos e a não discriminação desembocam em exclusão social (...) que inclui privação econômica, social e política (...), o que leva ao aumento da pobreza e dos gastos catastróficos das famílias. A exclusão e segregação que sofrem são o resultado da interação entre o transtorno, a cultura de discriminação e a incapacidade das instituições sociais para oferecer um acesso digno e universal à educação, ao mercado de trabalho, aos serviços públicos e de saúde. Essa realidade dramática extrapola em diferentes regiões do globo, sendo mais evidente em zonas da África e Ásia.

A maioria das pessoas com DI, especialmente as mais afetadas, não terão a capacidade para compreender e expressar o que lhe acontece, e isso causa mal-estar, aumentando a irritabilidade e, em muitos casos, utilizando a própria conduta, considerada errada, como problema, para comunicar seu estado.

Espera-se dos profissionais atuação no sentido comum, empatia e paciência, com alta dose de sensibilidade e profissionalismo. Não pode intervir somente com a prática da boa vontade, que também é necessária; deve-se valorizar as necessidades reais, tendo em conta evidências científicas sobre o tema. Os profissionais devem ser capacitados tecnicamente e com habilidades sociais e atitudes baseadas nos valores para realizar seu trabalho de forma ética. Para isso têm que dispor de recursos e condições adequadas que evitem mudança de trabalho, o que prejudicaria pessoas com DI, que desenvolvem um vínculo muito próximo com os profissionais.

Houve melhora espetacular nas últimas décadas com a aplicação do modelo de “Atenção Centrada na Pessoa e o Apoio de Conduta Positiva”, mas ainda há muito caminho pela frente. É urgente reivindicar que as políticas sociais e sanitárias contribuam de forma patente e significativa para melhorar a equidade no que se refere ao acesso e aos serviços públicos em condições que a população considera normais.

Apesar das melhoras, em muitos países ainda são escassos os recursos ocupacionais, trabalhistas, residenciais e de ócio às pessoas com diferentes necessidades de apoio. Essa conjuntura gera uma lista grande de espera e leva a uma situação que impede a melhoria do nível de qualidade de vida e satisfação, como a diminuição dos gastos econômicos. As pessoas com DI sem apoios formais aumentam o número de consultas nos serviços de saúde especializados, mais consultas nas urgências, excesso de prescrição de psicofármacos sem claro diagnóstico. E ausência de estratégia de controle diante da conduta desafiadora de programas da abordagem de conduta, e problemas de saúde mental que em muitos casos seriam resolvidos com o apoio da comunidade. Muitos serviços de saúde e social estão saturados e não favorecem a melhoria global no que se refere a essa necessidade. Além dos aspectos estruturais de atenção social e sanitária, continua sendo essencial trabalhar pedagogicamente.

Emerge um continuum: do nascimento, passando pela atenção na educação infantil, o seguimento pediátrico, a etapa escolar e laboral, até o envelhecimento e o retiro pessoal que conduz à morte. Precisamente a morte, a que realmente iguala todas as pessoas, deve ser digna e em um meio que compreenda e vele também pelos direitos dos mais vulneráveis.

Recordamos aqui a relevância do Bem Morrer. Como nos recorda Pedro Casaldáliga, implica inevitavelmente o Bem Viver. A ética e a reflexão contribuiriam ao respeito e cuidado mútuos, a criatividade e, em definitivo, o amor que nos move e nos plenifica como seres humanos. O exercício profissional diário de atenção social e sanitária às pessoas com DI, e todas aquelas sem DI, mas em situação de fragilidade, sentem que pequenos detalhes gerariam bem-estar. Esses gestos formam parte das atitudes humanas para o trabalho, tradução do provérbio clássico “trata os demais como gostaria que o tratassem”.

Levar em conta, atender, incluir todas as pessoas ao nosso redor com essas e outras deficiências semelhantes, é parte da nossa luta pelas Grandes Causas, porque apenas assim a Utopia do Bem Viver, a Grande Causa por excelência, será de todas e para todas as pessoas.

 

Serviço especializado de saúde mental e deficiência intelectual

Núria Ribas-Vidal, Meritxell Baró-Dilmé, Susanna Esteba-Castillo, Ramon Novell-Alsina, Girona, Catalunha, Espanha