Império econômico. Globalização: império e reversão neocolonial

Império econômico
Globalização: império e reversão neocolonial

Plínio de Arruda Sampaio Jr


Em seu afã de acumular lucro, o capital não respeita qualquer tipo de fronteira, buscando oportunidades de negócios onde quer que elas estejam. É a natureza insa-ciável do processo de acumulação que transforma o capitalismo em um modo de produção expansivo, que funciona como um sistema econômico mundial.

A formação de uma ordem global

A profunda transformação no padrão de desenvolvi-mento capitalista das últimas três décadas foi provocada por uma onda de inovações tecnológicas e por um con-junto de iniciativas para a liberalização econômica. Estas transformações, lideradas pelas grandes empresas multi-nacionais e pelo Estado norte-americano, acabaram gerando uma brutal ampliação da capacidade de o capi-tal financeiro explorar a força de trabalho mundial.

O salto na produtividade do trabalho decorrente da introdução de novas tecnologias propiciou, ao substituir trabalhadores por máquinas, uma substancial desvalori-zação da força de trabalho. A crise estrutural de desem-prego daí decorrente enfraqueceu de maneira dramática o poder da classe operária, com sérias implicações sobre sua capacidade de pressionar por aumentos de salário real e melhorias nas políticas sociais.

A maior produtividade do trabalho também gerou uma crise de superprodução, dando início a uma feroz disputa pelos mercados mundiais. A dinâmica predatória da concorrência (baseada na usurpação de posições estabelecidas) desencadeou uma nova rodada de concen-tração e centralização de capitais que reforçou ainda mais o poderio tecnológico e financeiro das grandes empresas multinacionais. Na periferia do sistema capita-lista mundial, tal dinâmica resultou em uma avassalado-ra desnacionalização da economia, bem como em grande destruição do parque industrial que se tornou obsoleto em relação às novas tecnologias.

O aumento nas escalas de produção fez com que os grandes conglomerados internacionais redefinissem seus vínculos com as economias nacionais. A necessidade de espaços econômicos mais amplos, que tendem a ultra-passar as fronteiras nacionais, impulsionou um movimen-to de transnacionalização do capitalismo. Paralelamente, a maior mobilidade espacial dos capitais, potencializada pela integração do sistema financeiro internacional, tornou possível rápidos deslocamentos de enormes massas de capitais entre os diferentes países, compro-metendo o controle das sociedades nacionais sobre o capital estrangeiro.

O enfraquecimento do trabalho em relação ao capital, o extraordinário fortalecimento das empresas multinacionais e a elevadíssima mobilidade dos capitais provocaram uma grave crise do Estado nacional. No plano econômico, as unidades nacionais encontraram crescentes dificuldades para preservar a integridade de seus sistemas econômicos e, como conseqüência, para garantir empregos a todos os trabalhadores. No plano político, a disputa pelo monopólio das novas tecnologias e pelo controle dos mercados mundiais acirrou as rivalidades entre Estados nacionais.

A lógica de império dos blocos econômicos

Sem questionar os mecanismos que impulsionam o processo de globalização dos negócios, as economias centrais têm procurado amenizar as conseqüências mais nefastas deste processo sobre suas sociedades, lançando mão de agressivas políticas neomercantilistas, que aci-r-ram o estado de «guerra econômica». Obrigados a con-correr para atrair investimentos produtivos, preservar a estabilidade da moeda e defender o emprego industrial, os países desenvolvidos desencadearam uma corrida para transformar o espaço econômico ao qual se vinculam em base estratégica da concorrência capitalista mundial.

Sob a palavra de ordem «somos os melhores, os outros que se danem», as grandes potências capitalistas organizaram uma ordem econômica internacional que funciona na base do «dois pesos e duas medidas». De um lado, pressionam pela liberalização dos mercados exter-nos; e, do outro, defendem com unhas e dentes seus mercados internos com medidas protecionistas. Para fomentar a liberalização, os países desenvolvidos mobili-zam o FMI, o BM e a OMC. E para defender os interesses corporativos de seus capitais e de seus sindicatos, ado-tam um complexo emaranhado de medidas protecionis-tas. É dentro deste contexto que devemos compreender o esforço de formação de grandes blocos econômicos: o Nafta e, agora, a Alca, liderado pelos EUA; a União Euro-péia, em torno da economia alemã; e a Bacia Asiática, que tem no Japão sua principal referência.

Contudo, como é um contra-senso imaginar que todas as economias possam ser consideradas, ao mesmo tempo, áreas prioritárias de interesse do capital interna-cional, o esforço de criar um espaço econômico diferen-ciado instaura um padrão de concorrência perverso, intrinsecamente imperialista, no qual o sucesso de uma região depende necessariamente da depreciação das outras. Na era da globalização, o sistema capitalista mundial encontra-se, portanto, completamente destituí-do de propriedades civilizatórias. No capitalismo con-temporâneo, a grande maioria da população mundial está condenada a viver em Estados nacionais que não têm a mínima condição de evitar (ou atenuar) os efeitos nefastos do capitalismo sobre a vida das pessoas.

A necessidade de suplantar as vantagens concedidas ao capital pelas regiões concorrentes constitui uma verdadeira tarefa de Sísifo. É este esforço que alimenta uma seqüência infindável de reformas econômicas libera-lizantes, cuja essência consiste em ampliar os negócios do capital às custas dos direitos da coletividade e da capacidade de o Estado nacional impor limites à acumu-lação. Ao submeter a coletividade aos seus ditames, o capital financeiro sacraliza a sua agenda política. A liberalização do comércio, dos investimentos estrangei-ros e dos fluxos financeiros internacionais, a aprovação de leis de patentes que garantam o monopólio das novas tecnologias, a flexibilização das relações de trabalho, a privatização do patrimônio público, a desregulamentação da economia, a estabilidade a qualquer custo da moeda, o ajuste fiscal permanente... tornam-se imperativos da política econômica.

AL: Nova dependência e reversão neocolonial

As tendências responsáveis pela crise do Estado nacional têm-se manifestado com força redobrada nas regiões que fazem parte da periferia do sistema capitalista mundial. Vulneráveis à fúria da concorrência global e ao arbítrio dos países centrais, as economias dependentes ficam sujeitas a processos catastróficos de desestruturação econômica.

Na América Latina, área de influência dos Estados Unidos, a globalização desencadeou um processo de reversão neocolonial que coloca em questão a própria sobrevivência de nossos Estados nacionais. Deixando de lado qualquer prurido, os EUA passaram a exigir que os países da região, todos dependentes da «boa vontade» dos organismos internacionais para rolar as suas dívidas externas, aderissem incondicionalmente ao liberalismo.

A adoção do receituário do consenso de Washington afastou o desenvolvimento nacional do horizonte de possibilidades da AL. Transformadas em meros «merca-dos emergentes», as economias latino-americanas vira-ram um grande negócio, tornando-se alvo de verdadeiras operações de pilhagem por parte de grandes conglome-rados internacionais interessados em: tirar proveito das privatizações, fusões e aquisições; utilizar o poder de monopólio para controlar segmentos inteiros do mercado nacional; aproveitar a fragilidade financeira para extor-quir polpudos benefícios fiscais e financeiros; participar de movimentos especulativos contra a moeda nacional; explorar vantagens comparativas decorrentes do controle de matérias-primas estratégicas e mão-de-obra barata.

O balanço de mais de duas décadas do experimento liberal na AL é sombrio. A concentração do progresso técnico nas economias centrais reforçou dramaticamente a dependência tecnológica da região. Vulnerável à concorrência de produtos importados, o parque industrial das economias latino-americanas –a coluna vertebral de qualquer economia– começou a ser desmantelado. Sem condições de atender os requisitos técnicos, financeiros e de escala mínima necessários para a absorção das novas tecnologias, suas economias ficaram impossibilitadas de aproveitá-las para modernizar suas forças produtivas. Os poucos países da região que, depois de muito esforço, conseguiram avançar no processo de industrialização, foram condenados a retroceder na história e a revitalizar seus complexos exportadores, baseados na produção de matérias-primas, produtos agrícolas e manufaturados sem tecnologia.

A interminável crise de sobreendividamento externo constitui uma diabólica armadilha a reforçar a dependên-cia financeira. À mercê das vicissitudes das finanças internacionais e da tutela do FMI e do BM, a região viu-se forçada, ora a gerar megasuperávits comerciais, desti-nados a pagar o serviço da dívida externa, ora a produzir megadéficits comerciais para viabilizar a compra maciça de produtos estrangeiros e a absorção do excesso de liquidez nos mercados financeiros internacionais. O programa de ajustamento sem fim ditado pelos organis-mos internacionais condenou a AL à estagnação.

Por fim, a hegemonia da ideologia neoliberal levou ao paroxismo a dependência cultural, tornando nossas sociedades particularmente vulneráveis ao processo de americanização dos estilos de vida e dos padrões de consumo. Paralelamente, o ataque ao Estado comprome-teu a integridade dos centros internos de decisão, dei-xando os países da região impotentes diante das ações de pilhagem do grande capital – nacional e internacio-nal. Sujeita ao capricho do mercado, a AL ficou desprotegida num marco histórico extraordinariamente adverso, que compromete o seu futuro.

 

Plínio de Arruda Sampaio Jr

São Paulo, SP, Brasil