Criação Intensiva: Exploração Animal e Crise Alimentar

Criação Intensiva: Exploração Animal e Crise Alimentar

Roberto Bennati


(O termo vivissecção representa, em síntese, a dissecação anatômica ou qualquer operação congênere feita em animal vivo para estudo de

algum fenômeno fisiológico)

Cada ano se criam cerca de 70 bilhões de animais terrestres no mundo para a produção de carne e proteínas. Não há estimativas confiáveis sobre a quantidade de animais aquáticos criados e pescados. A produção vinculada a esse grande número de seres vivos se deriva, em grande parte, de atividade industrial intensiva, confinada em coberturas: verdadeiras “fábricas de animais”, granjas intensivas, lugares nos quais milhares de animais são trancados para torná-los mais produtivos, privando-os de sua etologia (feita de pastos ao ar livre e luz natural).

Os primeiros animais, vítimas da industrialização, foram as galinhas para ovos: sem terra, embutidas num espaço menor que uma folha de papel para fotografia, uma em cima da outra, até seis, sem possibilidade de estender as asas, com 24 horas de luz artificial, para romper seu ciclo biológico dia-noite e fazer com que produzissem mais ovos. Depois de apenas 11 meses, ao invés dos quatro anos habituais, a vida de uma galinha termina, porque já não é muito produtiva. Em nome da eficiência industrial, a esses animais se negam todas as necessidades, o que lhes causa formas bastantes graves de estresse e sofrimento.

O mesmo destino afeta os chamados frangos de corte, da mesma espécie das galinhas, mas desenvolvidos geneticamente para a produção de carne. Enquanto uma galinha demora vários meses para alcançar o peso de pouco menos de 3kg, o frango de corte alcança 4kg mais ou menos em 40 dias. O crescimento rápido é conhecido como “genético”, mas a velocidade tem custo: infecções pulmonares, lesões frequentes e ruptura de pernas e pélvis são as patologias típicas nessas granjas, que fazem ser essencial o uso contínuo de antibióticos, transmitidos à carne dos animais e, em consequência, ao nosso prato. Mais de 60% dos antibióticos vendidos no mundo estão de fato destinados à criação de animais.

Não é diferente o caminho dos coelhos. Acostumados ao movimento e a estender as largas patas como alavancas para saltos, nas granjas intensivas vivem em pequenas jaulas do tamanho de seu corpo e nem sequer podem dar volta, sofrendo enfermidades e estresse.

Destino similar é o das vacas para a produção de leite. A indústria láctea é uma das piores formas de industrialização que se aplica aos seres vivos. Desde a década de 1960, as raças de vacas que produzem pouco leite são abandonadas, em favor da “holstein”, uma raça holandesa com enormes tetas, capazes de produzir grande quantidade. Esses animais, acostumados ao pastoreio, são confinados em estábulos e submetidos a procedimentos de ordenha mecânica, sobre pisos de cerâmica, nos quais entram duas vezes ao dia. Sua capacidade de produzir leite aumenta em mais de 50 litros por dia, graças à seleção genética e dieta rica em proteínas. Sem dúvida, causam nos animais, ruminantes por natureza, diversos transtornos digestivos e metabólicos. Nesse caso, levar a natureza além de seus limites tem custo: as vacas são submetidas a tratamentos contínuos com antibióticos e cortisona, e se tornam mancas, sofrendo dores e infecções bem graves nas tetas, que podem causar a morte do animal.

Como acontece com outros animais, esse tipo de produção permite a redução no preço da carne e do leite e um consumo cada vez maior nos países ricos, mas proporciona dor aos animais e põe em perigo a saúde humana, pela presença de antibióticos e cortisonas na carne que se consome.

Além de ser fonte de grande sofrimento, as granjas intensivas representam grave desperdício de recursos naturais, como cereais e proteínas vegetais. Para produzir 1kg de carne de vaca é preciso dar de 12kg a 16kg de proteína vegetal. Se essas proteínas vegetais fossem, ao contrário, produzidas para o consumo humano, seria fácil saber como distribuir bilhões de toneladas de alimentos para toda a humanidade, cobrindo as necessidades, especialmente nos países onde está terrivelmente presente a desnutrição.

Em um hectare de terra é possível produzir 66kg de proteínas de carne vermelha; na mesma superfície cultivaríamos diversificada variedade de sementes de soja para o consumo humano, e obteríamos 1848kg de proteína vegetal, alimentando um número 30 vezes maior de pessoas. A atual forma de exploração dos recursos do planeta é irracional e está submetida, principalmente, ao consumo de carne.

Se a produção de alimentos é uma das principais fontes de impacto ambiental antropogênico no planeta, a responsabilidade pesa realmente na agricultura intensiva. A produção de leite e produtos lácteos chega a 4% das emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2), e a carne e os produtos lácteos representam 24% do impacto ambiental acumulativo dos produtos no mercado europeu. As fazendas de gado do mundo contribuem de 18% (segundo dados da FAO) a 51% (segundo o World Watch Institute) com as emissões mundiais de dióxido de carbono. E são responsáveis por 64% da produção de amoníaco, uma das substâncias mais danosas para a mudança climática.

Bilhões de animais criados todos os dias também ocasionam uma contaminação incrível pelos dejetos. Uma vaca leiteira produz de fezes 30 vezes seu peso, de aproximadamente 600kg; uma porca, até 15 vezes o seu peso (uns 200kg); um frango ou um coelho, até 40 vezes o seu peso. Uma impressionante quantidade de dejetos que causa enorme contaminação de águas subterrâneas, além de produzir amoníaco, fosfatos e outros gases com significativo efeito contaminante.

A criação intensiva de animais é ainda a causa do insustentável consumo de água. No planeta, apenas 4% da água são doces e utilizáveis para o ser humano. Mas parte importante dessa água está destinada à criação intensiva e à sua cadeia de suprimentos. Uma vaca precisa, para alimentar-se, de cerca de 1300kg de cereais (trigo, aveia, cevada, milho, ervilhas secas, soja) e 7200kg de forragem (pasto, feno seco etc.). Calcula-se que sejam necessários 15500 litros de água para produzir somente um quilo de carne...

Segundo o Instituto de Gestão de Água de Estocolmo (autoridade máxima na defesa e gestão de água potável em nível mundial), é urgente mudar a produção e o consumo de carne para garantir água potável à população mundial nos próximos 20 anos.

A agricultura intensiva e o modelo de criação industrializada são um sistema baseado no uso irresponsável dos recursos e no sofrimento dos seres vivos.

O uso de proteínas vegetais para alimentar animais, em lugar de pessoas, é uma das principais causas de desnutrição e fome no mundo. Mais de 925 milhões de pessoas no planeta hoje têm fome; a cada quatro segundos uma pessoa morre de desnutrição e, em 75% dos casos, são crianças. E perto de uma de cada seis pessoas não tem comida suficiente para a vida ativa.

Como permitir que bilhões de pessoas vivam em estado de desnutrição para garantir o consumo de um alimento como a carne, que carrega tantos problemas? Temos a faculdade de causar enorme sofrimento humano e animal, provocar danos ambientais, colocar em perigo a água como a principal fonte de vida, apenas pelo capricho de comer carne?

Há muitas razões lógicas, econômicas, sociais e políticas para reformular o sistema de produção de alimentos, dispondo pessoas e o direito à alimentação no centro, começando de maneira progressiva e indispensável - superar as granjas intensivas, que tantos danos provocam no mundo em que vivemos.

As granjas consomem o planeta, ameaçando a saúde e causando significativo sofrimento aos animais, mas as multinacionais da carne defendem a ganância, produzida por esse sistema de exploração. Como consumidores, temos poder de decidir quais alimentos colocamos em nosso prato a cada dia. Escolhamos alimentar-nos de maneira sustentável para o ser humano, os animais e o meio ambiente: apenas dessa maneira contribuiremos com nossas escolhas diárias para evitar a mudança climática e construir um mundo melhor para todos.

 

Roberto Bennati

Liga contra a Vivissecção, Roma, Itália