Coop-23: Não Podemos Continuar Comendo Tanta Carne

Coop-23: Não Podemos Continuar Comendo Tanta Carne

Carlos Laorden Zubimendi


Os dados, sem dúvida, são impressionantes: 14,5% dos gases de efeito estufa – os que causam o aquecimento global– emitidos pela ação humana vêm do setor pecuário, segundo dados da FAO (agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Ou seja, a digestão das vacas e de outros animais em forma de ventosidades e excrementos, ao lado do uso da terra que requer a sua produção e alimentação, liberam mais que todo o setor mundial de transportes...

Um estudo da Oxford Martin School, da Universidad de Oxford (Reino Unido), indica que se todos se tornassem vegetarianos, as emissões da indústria alimentícia, em geral, seriam reduzidas em quase dois terços. “O objetivo é reduzir o consumo de produtos de origem animal em cerca de 50% até 2040”, ressalta Cristina Rodrigo, porta-voz da organização.

Emissões pecuárias

A pecuária emite 14,5% do total dos gases de efeito estufa. Desses, 7,1 milhões de gigatoneladas de CO2 equivalentes anuais, a maior parte – 44% – corresponde à fermentação entérica. Ou seja, o processo de digestão no qual – sobre todos os ruminantes e, especialmente os grandes, como as vacas – acabam liberando gás metano para a atmosfera. O metano dura menos na atmosfera do que o CO2, porém contribui para o aquecimento de forma mais intensa.

Outros 41% das emissões do setor são provenientes da produção de alimentos para os animais, 10% do tratamento de seus excrementos e 5% restantes das necessidades energéticas da indústria, segundo dados da FAO.

Mas esse objetivo, ao falar de “animais”, coloca vacas, frangos e porcos no mesmo saco, como o atum, camarão e moluscos. E nem todos contribuem com o mesmo impacto para o aquecimento. Pesca à parte, conseguir um quilo de proteínas, comendo carne de vaca, produz quase o dobro de gases de efeito estufa do que com pequenos ruminantes, como ovelhas ou cabras, segundo a própria FAO. O triplo do que levar ao mercado um quilo de proteínas em forma de leite de vaca ou carne de frango ou porco.

Grandes consumidores como a China já apresentaram planos para barrar a ingestão de carnes em geral, e hoje os americanos (o segundo que mais a comem por pessoa e ano, depois da Austrália) comem cerca de nove quilos a menos do que há dez anos. Porém, a tendência geral é oposta. O crescimento econômico nos países em desenvolvimento e outros fenômenos fazem com que cada vez comamos mais animais. Assim, se não houver grandes mudanças, as emissões da indústria alimentícia continuarão crescendo.

As formas para reduzi-las são duas (embora uma não exclua a outra): cortar o consumo dos alimentos mais poluentes, incentivando a mudança nas dietas. “Sempre respondemos ao mercado” – esclarece Pekka Pesonen, secretário-geral da Copa-Cogeca, o principal grupo de agricultores e pecuaristas europeus. “Até que ponto devemos orientar os consumidores em suas escolhas, seja em impostos, promoção...?”

Pekka Pesonen mostra-se pessimista sobre a eficácia da abordagem e a compara ao tabaco: “É prejudicial, mas apesar de todas as informações, continua sendo consumido”. Cristina Rodrigo ressalta que a demanda dos cidadãos não é tanto de produtos concretos, mas de proteínas com sabor e textura que lhes sejam familiares e agradáveis. Por isso, apresenta como alternativas iniciativas já em andamento, como salsichas e presunto produzidos à base de vegetais, e insiste na urgência da conscientização.

Uma das principais contraindicações desse caminho é o efeito sobre a economia. Mais uma vez, de acordo com a FAO, cerca de dois terços das famílias rurais mais pobres criam gado, e dependem de sua carne ou leite para o sustento. Além disso, atualmente existem cerca de 500 milhões de criadores. “Quando falamos de carne ou leite, não falamos apenas de comida, mas do modo de vida de milhões de pessoas em áreas marginais”, destaca Henning Steinfeld, especialista no tema.

Steinfeld indica uma dificuldade adicional: em diversos países em desenvolvimento é muito difícil encontrar proteínas que não sejam de origem animal. “Quem sou eu, europeu, para lhes dizer que não deveriam consumir carne, que poderiam melhorar a dieta?”, concorda Pesonen. No ProVeg argumentam que o problema não está na agricultura de subsistência ou no trato do gado nesses lugares, mas “no consumo excessivo, na agricultura industrial e desperdício de alimentos nos países desenvolvidos”.

Porém, as emissões da atividade pecuária na África subsaariana (também chamada de “África Negra” – corresponde à parte do Continente ao Sul do Saara) e no sul da Ásia (Índia, Bangladesh, Paquistão, Afeganistão) excedem em cerca de 43% a soma da Europa Ocidental, América do Norte e Oceania, apesar de que os primeiros produzem a metade de proteínas. Em grande parte, isto se deve à maior produtividade do gado dos últimos países.

Portanto, a outra forma de fabricar carnes e lácteos mais verdes é reduzir a intensidade das emissões. Isto é, diminuir a quantidade de gases de efeito estufa, liberados por quilo de proteínas. Steinfeld lembra que melhorias na criação, no tratamento veterinário e alimentação dos animais permitirão triplicar a produção leiteira em vários lugares da Índia. A FAO defende que estender as práticas à criação do gado reduziria as emissões mundiais do setor de 20% a 30%. Assinala Steinfeld:

“Ao nos referirmos à produção de alimentos a partir de animais, não podemos pensar apenas na mudança climática. Não seria justo, é preciso medir outros fatores, pois para muita gente o gado é muito mais do que as emissões de gases”.

Porém, no contexto geral da batalha climática, Pesonen acrescenta que a diferença com outros setores, como o do transporte (14% do total de emissões), é o gado, inclusive na capacidade ainda por explorar e mitigar o aquecimento. “A maioria das pastagens está degradada, porque não há um cuidado adequado. Se for bem administrado, há grande potencial para recuperar esses solos, um enorme depósito de carbono”.

https://goo.gl/yH3oev

 

Carlos Laorden Zubimendi

elpais.com/, Madri, Espanha