Centros de direitos Humanos: sua missão e seu serviço

Centros de direitos Humanos: sua missão e seu serviço

Miguel Concha Malo


A América Latina se carateriza tanto pelo comum quanto pelo diverso que abriga em seus territórios. Várias vezes essa região se viu sob o jugo da exploração, autoritarismo e violência. No entanto, durante a última metade do século passado, e também neste início de século, os habitantes da América Latina experimentaram um forte impulso de solidariedade vindo das camadas sociais menos favorecidas, o que nos levou à construção cotidiana de mediações históricas do Reino de Deus.

Existem algumas etapas-chave que nos permitem identificar esta solidariedade. Primeiro, durante os anos 70 e 80, quando os Movimentos Sociais lutaram pela libertação dos povos. Neste período, as ditaduras, sobretudo as militares, eram uma constante na região. Denunciou-se a violência sistemática destes regimes contra as pessoas e os povos: desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, tortura, ameaças, perseguições, exílios.

Após isso, a região experimentou os dolorosos conflitos da América Central, nos quais, além das violações citadas, observou-se o deslocamento de comunidades inteiras, gerando, devido ao clima político violento, milhares de refugiados no México e Estados Unidos. Neste período, o Socorro Jurídico Cristão, fundado em 1975 pelo jesuíta Segundo Montes Mozo, o qual se desenvolveu até se converter mais tarde no Socorro Jurídico da Arquidiocese de San Salvador e, posteriormente em Tutela Legal, desempenhou um papel fundamental no acompanhamento a vítimas da repressão política.

Um terceiro momento se relaciona necessariamente com as lutas pelos direitos políticos. Os movimentos e organizações apostaram na consolidação de instituições fortes e garantias de eleições livres. Em várias ocasiões a origem destes movimentos se deu como consequência das constantes e evidentes fraudes eleitorais. A perpetuação no poder de um só partido, ou ainda ante a frustração e o desencanto que a classe política gerou entre os cidadãos.

Uma quarta etapa está relacionada ao trabalho de organização de grupos, coletivos, comunidades e povos para defender seus direitos específicos, assim como contra a ditadura do capital e do mercado. A isto, pode se acrescentar a luta atual pelo reconhecimento, respeito, proteção e garantia por parte dos Estados dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCAs), pois, como se sabe, grandes corporações têm por alvo os bens comuns naturais de comunidades e povos, com a finalidade de explorá-los, despojá-los e lucrar com eles.

Durante todos estes processos libertadores ao longo de mais de cinco décadas, grupos e coletivos de pessoas constituíram espaços organizados para a defesa e promoção específicas dos Direitos Humanos. Uma das suas atribuições principais foi a de entrelaçar vínculos solidários entre estas diversas organizações (locais, regionais, nacionais e internacionais), que trabalham para a causa da justiça, uma vez que se comprometem de forma fundamental com um trabalho pela paz e a dignidade das pessoas, comunidades e povos da nossa região.

As organizações de Direitos Humanos surgem, portanto, a partir de diversas experiências. Umas, em conjunção com inspirações emanadas do Evangelho, sejam diretamente da Igreja Católica ou impulsionadas por outras Igrejas Cristãs, com convicções fortemente ecumênicas. Todas elas enquadradas nos compromissos das Igrejas latino-americanas em sua opção pelos pobres, e na busca da justiça que exige seguir Jesus, além de muitas outras comprometidas com os processos de lutas de libertação de diversas organizações civis e sociais. Cabe assinalar que, seja qual for sua origem e sua inspiração, nada impede a articulação entre elas para promover os Direitos Humanos e defender conjuntamente casos e causas, como a luta contra a tortura, a pobreza, a deterioração do meio-ambiente, a corrupção, a impunidade e a criminalização do protesto social. Ao contrário, fazem do trabalho de defesa dos Direitos Humanos um rico mosaico de experiências e conhecimentos encaminhados para a libertação.

É importante ressaltar a participação de alguns bispos, sacerdotes, religiosos e pastores na formação destes organismos civis de Direitos Humanos. Alguns, com seu exemplo único, foram fonte de inspiração. Outros promoveram, impulsionaram, apoiaram e acompanharam estes Centros. Entre eles se destacam Oscar Romero, Juan Gerardi, Leónidas Proaño, Samuel Ruíz, Sérgio Méndez Arceo, Pedro Casaldáliga, José Maria Pires, Tomás Balduino e Helder Câmara, entre outros.

Ao longo desse tempo, as organizações defensoras e promotoras dos Direitos Humanos experimentaram um crescimento quantitativo, mas também qualitativo. Profissionalizaram-se, com maior consciência dos contextos econômico, político, jurídico e cultural em que atuam. Aperfeiçoaram suas análises sobre as causas internas e externas que propiciam a violação aos Direitos Humanos em seus países e na região. Vêm articulando e desenvolvendo, cada vez mais, suas ações específicas em conjunto com as lutas dos movimentos que reivindicam políticas públicas com perspectivas de Direitos Humanos e mudanças estruturais. Formulam propostas de mudanças legislativas, inclusive constitucionais, em nível nacional. Elas se sobressaem em geral por suas propostas de mudanças jurídicas, políticas, econômicas e administrativas para a vigência dos Direitos Humanos. Incidem na adoção de instrumentos e nos mecanismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, como foi o caso da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, entre outras, a qual não seria possível sem a participação ativa da sociedade civil.

Estas organizações se multiplicaram, graças ao trabalho desses coletivos, pois aumentam suas ações de educação em Direitos Humanos, relacionadas com a documentação de casos, assim como a construção de ferramentas para o acompanhamento de vítimas, ampliando assim o volume de informação que é testemunha fiel e confiável da violência estrutural a que são submetidas as pessoas e os povos.

Esses Centros de Direitos Humanos se diversificaram pelos diferentes direitos que enfocam em suas atividades. Há aqueles que promovem e defendem direitos civis e políticos; outros, os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Outras organizações se especializam na defesa dos Direitos Humanos de diversos grupos da população, como mulheres, meninas e meninos, povos e comunidades indígenas, migrantes, jornalistas, etc. Em todas existe a convicção de que os Direitos Humanos, além de universais, são também, em si, integrais, indivisíveis e interdependentes. Estas organizações se caracterizaram por propiciar, sobretudo um acompanhamento integral dos procesos de tomada de consciência quanto à opressão e os procesos de luta para libertar-se da injustiça.

Entre os Centros que realizaram trabalho em nível latino-americano destacam-se o Serviço Paz e Justiça, com presença em doze países da região. Na Argentina, a Associação das Mães da Praça de Maio; na Colômbia, o Centro de Pesquisa e Educação Popular; no Peru, a Coordenação Nacional de Direitos Humanos, que é uma rede que reúne 81 organizações sociais defensoras dos Direitos Humanos. No México, temos a Rede Nacional de Organismos Civis de Direitos Humanos “Todos os Direitos para Todos e Todas”, que agrega os esforços de 74 organizações no país e da qual é parte o Centro de Direitos Humanos “Frei Francisco de Vitória OP”. Estes e outros organismos defendem, de forma constante, os Direitos Humanos mediante a assessoria e o acompanhamento estratégico nos processos de denúncia das violações aos direitos de pessoas e povos.

As pessoas podem se amparar, com confiança e esperança, nestes lugares de encontro e articulação em benefício da dignidade. Nelas receberão uma escuta atenta e uma orientação estratégica, tanto jurídica como política, relacionada à restituição dos seus direitos violados. São organizações que, cotidianamente, buscam caminhar com o povo, com as excluídas e os excluídos. Em suma, são símbolos do Reino, luz e sal para o mundo.

Um Centro de Direitos Humanos na América Latina refere-se a um espaço onde se articulam esforços coletivos para a defesa da dignidade das pessoas e povo, e a busca de paz e justiça. É um lugar a partir do qual se levanta a voz indignada frente ao abuso do poder, e se acompanha de maneira solidária os grupos que historicamente foram marginalizados e discriminados. Aposta-se na transformação de uma estrutura desumanizante e por outro mundo possível. Seu trabalho só pode ser compreendido em proximidade e diálogo horizontal com as pessoas e os demais coletivos, compartilhando e trocando experiências que beneficiem a construção de sujeitos sociais de direitos. Estas organizações defensoras são um espaço de esperança e solidariedade, a partir das quais são geradas propostas alternativas diante da profunda crise civilizatória em que estamos imersos.

 

Miguel Concha Malo

México DF, México