América Latina... Democracia que doi

América Latina... Democracia que doi

O Continente mais desigual do mundo

Artesãos de Utopias


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Por mais longe que nos afastemos no tempo, os ricos nunca foram mais numerosos do que os pobres. Acrescente-se a isso: os ricos sempre governaram o mundo ou deram forças aos que governavam. É a onstatação mais atual do que nunca aqui na América Latina, mais do que em qualquer outro lugar do mundo.

Os 14 latino-americanos mais ricos acumulam fortunas que, somadas, superam cinqüenta milhões de dólares, cifra que representa o acréscimo anual de mais de cem bilhões dos habitantes mais pobres da região.

• Peru, que em 2005 teve um crescimento estimado de 6% do PIB... Todo um sonho macroeconômico. A contra-face é que o país tem mais da metade da população na pobreza (51%).

• Brasil: enquanto em cada residência mais pobre vivem 4,5 pessoas, na mais rica vivem 1,6 pessoas.

Se a Argentina fosse uma aldeia de 100 habitantes formada por 28 famílias, só duas residências contariam com um computador pessoal, um deles conectado com a internet. Destes 100 argentinos, 18 seriam considerados analfabetos funcionais. Três teriam um título universitário. Nessa aldeia, onde se produziriam alimentos em quantidade suficiente para alimentar durante um ano 830 pessoas, não podem dar alimentação digna para 20 habitantes, dos quais 15 têm menos de 18 anos.

• Chile: tem 23% da sua população na pobreza; segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) aumenta a precariedade e a insegurança trabalhista, não obstante o crescimento econômico de 5%. Desde 1996, a indigência não abaixou, e se mantém em torno de 5,7%.

• Bolívia: é o país mais pobre da América Latina, 97% da população rural está em extrema pobreza, nas cidades 60% dos habitantes estão na mesma situação. Mais de 50% da população não conhece os serviços básicos, como eletricidade e a água potável.

Na América Central a pobreza afeta 18% dos cidadãos na Costa Rica (o país mais estável) e 60% da população em Honduras e Guatemala, passando para 45% na Nicarágua e 43% em El Salvador.

No Brasil, Guiana, Guatemala, Bolívia, Chile, México e Peru os indígenas ganham entre 35-65% menos que os homens brancos. A América Latina tem quarenta milhões de indígenas e cento e cinqüenta milhões de afro-descendentes. Estes grupos são mais pobres e apresentam os piores indicadores socioeconômicos e têm as menores possibilidades de chegar ao conhecimento e à participação política.

• Países inteiros têm ingressos equivalentes à das grandes cidades. Brasil=Osaka, 600 bilhões de dólares; México=Paris, 400 bilhões; Argentina=Chicago, 300 bilhões; Venezuela=Hamburgo, 100 bilhões de dólares.

Na América Latina a disparidade de ingressos da sociedade se dá em proporções extremamente graves: os 10% mais ricos ganham 30 vezes mais que os mais pobres.

Na A.L. os 10% mais ricos da população obtêm 6% da riqueza, enquanto os mais pobres obtêm apenas 2%. Noventa e um milhões de pessoas se tornaram pobres nos últimos 20 anos. 226 milhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares diários, e noventa e oito milhões vivem com menos de um dólar por dia.

Da década de 1970 à de 1990, a desigualdade na A.L. foi superior a 10 pontos em relação à Ásia; em 17,5 pontos em relação aos 30 países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e em 20.4 pontos em relação à Europa Oriental.

Tudo isto é reconhecido como injusto, como uma autêntica «ferida, vergonha pura» por mais de 85% dos latino-americanos.

Não é a primeira vez que se diz, mas é um fato que continua. A pobreza no mundo se reduziu à metade nos últimos 20 anos, mas na América Latina não se registrou avanço algum. A América Latina é a região com maior desigualdade no mundo.

A seguir é uma lista de países ordenada por ingressos, com base no coeficiente de Gini, de acordo com a informação do Desenvolvimento Humano da ONU em 2005. O coeficiente de Gini é um cálculo que se utiliza para medir a desigualdade e vai de 0 a 1, em que o 0 é o total de paridade e 1 o contrário. A coluna «categoria» (de menor a maior coeficiente Gini) mostra os 5 países mais igualitários, em contraste com os da A.L., dos quais o primeiro que aparece é a Jamaica, o posto 63, de uma lista original de 124 países. O coeficiente Gini é multiplicado por 100 (ex.: CG da Dinamarca = 0,247; por 100 = 24,7). As colunas da direita mostram a quantidade de vezes que se incrementa os ingressos do 10% e 20% mais rico da população em relação ao 10% e 20% mais pobre.

JULGAR: Diante destes números, estas perguntas:

Não é incrível a desigualdade na América Latina? Não é incrível que, sendo pobres, somos tão desiguais? Como a pobreza e a desigualdade afetam a democracia latino americana? A América Latina está diante de governos democráticos?

Se a desigualdade continua aumentando... a democracia avança ou retrocede? Onde está o centro de gravidade desta situação extrema e persistente...? A desigualdade não provém também da falta de democracia?

Apesar de tudo isto continua-se a acreditar que a democracia está consolidada. O fato de a democracia poder ser definida com muita precisão não significa que realmente ela funcione. Do ano 2000 em diante, quatro presidentes latino-americanos eleitos foram obrigados a renunciar antes de terminar o próprio mandato.

Mais da metade dos latino-americanos preferiria um “regime autoritário” a um democrático que “resolvesse” os seus problemas econômicos.

Entre 1996 e 2004, a porcentagem de latino-americanos que manifestou estar satisfeita com o funcionamento da democracia retrocedeu de 41% para 29%.

Nenhuma das causas da decadência democrática da A.L. pode-se considerar uma fatalidade histórica diante da qual nada se possa fazer. A América Latina é pobre e desigual... Por que continuar sendo?

Desigualdade e pobreza podem ser consideradas como os eixos do mal que impedem a consolidação do processo democrático na América Latina. A relação entre uma e outra é muito sensível: não podemos falar de democracia enquanto a redistribuição da riqueza estiver gerando um aumento da desigualdade. Não podemos afirmar que, com os níveis altos da desigualdade social, o processo democrático possa se consolidar.

A experiência confirma que uma democracia política que não tenha como base a democracia econômica e cultural não pode trazer tranqüilidade.

Não elegemos os governos para que “entreguem” os nossos povos ao mercado.

AGIR: Da dor latente ao combate decisivo

No nosso continente, o mais desigual do mundo, tanta dor deve repercutir em maior compromisso para transformar as nossas democracias:

Devemos questioná-las em todos os debates.

Levar a sério a participação política para melhorar a democracia. Não confundir o conhecimento dos problemas do momento com fazer alguma coisa para resolvé-los.

Procurar nas utopias e na vitalidade da nossa sociedade civil o caminho para a tão desejada igualdade.

Combater até a morte toda forma de exploração, e toda tendência corporativa (econômica, política, religiosa...) que gere desigualdade.

Costuma-se dizer que a democracia se fortalece com mais democracia... Não será com mais igualdade?

 

Artesãos de Utopias

Rio Cuarto - Argentina