A brecha digital

A brecha digital

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Os dados

Se dermos uma olhada ao mundo de hoje veremos que é muito diferente do mundo de uma década ou simplesmente de um ano atrás. No mundo de hoje se movem informações, criando um matagal de redes de comunicação que superam por sua dimensão global todas as históricas façanhas do ser humano. Estamos num mundo em comunicação, no qual a Internet nos brinda de forma fácil com uma infinidade de informações partilhadas.

Vamos ver: tem acesso a Internet o 12,7% da população mundial, o 34,2% dos espanhóis, o 74,6% dos suecos ou o 63,5% dos suíços, e tudo indica um crescimento contínuo -inclusive exponencial- da penetração de Internet em quase todo o planeta.

Mas que acontece com a América Latina? Só o 10,3% de seus habitantes têm acesso a Internet. Muito longe de 74,6% da Suécia, certo, mas também longe de 1,5% da África, e significativamente perto da média mundial.

Um olhar mais detalhado às estatísticas da rede, informa-nos que depois do EUA, são a China e Japão os países com maior número de internautas (201,94 e 68 milhões respectivamente), e que os textos em chinês e japonês já ocupam o segundo e terceiro lugar do ranking idiomático, depois do inglês. Mas a presença da Ásia na rede vai mais à frente, pois a China e Japão já são os dois países com maior número de conexões de banda larga, na frente dos EUA e da Coréia do Sul, enquanto que Hong Kong ocupa o segundo lugar em percentagem de população conectada à rede.

De novo devemos tomar bem nota do papel que o idioma assume como protagonista na comunicação, e não faz falta lembrar que a questão do idioma não é unicamente um tema de tradutores, mas sim de cultura, de poder e de transmissão de valores. Só o 6,4 % dos usuários de Internet se intercomunica em espanhol, e só o 2,4% o faz em português (o 7,6% em japonês, o 12,8 em chinês, e o 32,8 em inglês).

Tudo isso nos deveria fazer refletir sobre o papel da Ásia neste momento, e a essa reflexão poderemos acrescentar as previsões de crescimento da população para 2050 pelas quais poderemos ver que a Índia e China crescerão em mais de 700 Milhões de habitantes. Do continente asiático serão 13 entre os 25 países mais povoados, do africano serão 6, do europeu só algum.

Respeito à América, o México se manterá como o 11º. país mais povoado do mundo no ano 2050, o Brasil descerá do 5º aos 7º lugar na escala, e a Colômbia subirá do 28º ao 27º. Em seu conjunto, a população da região latino-americana poderá crescer em 50% entre os anos 2000 e 2050.

Olhemos agora as pirâmides da idade: os países com mais idosos vão ser os europeus que, com a Espanha na cabeça, monopolizarão 20 dos 25 países com população mais anciã do planeta. Em troca, da África serão 22 dos 25 países mais jovens, e se a isso acrescentamos que são africanos 24 dos 25 países com menor esperança de vida, podemos nos fazer uma idéia do mundo futuro.

Nenhum dos países da região latino-americana figura entre os 25 países mais jovens, nem entre os que terão população de idade mais avançada.

Levando em conta que 1200 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar diário e 2800 com menos de 2 (Relatório PNUD’2001), é lógico que a prioridade se concentre em diminuir os efeitos da pobreza (marginalização, discriminação, analfabetismo, desemprego, delinqüência e criminalidade), mas terá que pensar em como se enfrenta esta prioridade quando, nos últimos anos, o 99% das novas patentes provêm dos países da OCDE (que têm só 19% da população mundial) e cresce a brecha entre uns e outros.

O panorama

Até aqui temos os dados e as previsões estatísticas que, embora não devemos tomar como profecias, nos dão elementos para a reflexão.

O panorama nos sugere a visão de uma Europa envelhecida e quase senil, com milhões de europeus aposentados com bons hábitos de conexão à Internet tentando influir em um mundo do qual possivelmente já não serão protagonistas.

Por outra parte vemos despontar um continente africano muito jovem com esperanças de vida 20 anos abaixo das européias, e portanto com muito pouco a perder na luta pela sobrevivência. Se as coisas não mudarem, será muito difícil acrescentar a esta explosão de energia humana a comunicação e a formação suficiente para procurar oportunidades de realização coerentes. A tensão na África está assegurada; a direção que tomará é uma incógnita.

O continente asiático se vislumbra com um forte crescimento, não só no âmbito demográfico, como também em sua capacidade de comunicação, que terá conseqüências enormes em seu peso geopolítico e sua capacidade de desenvolvimento econômico. Tudo indica que a Ásia «despertou».

Não é difícil imaginar que o mundo, nos próximos anos, será muito diferente do que vivemos agora e, embora, provavelmente, o dia a dia que se vive em muitas casas latino-americanas não nos mostre isso, o futuro desenha uma oportunidade para o continente.

O avanço das «novas tecnologias da informação e a comunicação» (as «TIC», ao dizer da ONU) deu lugar ao fenômeno da «brecha digital». Esta expressão indica a desigualdade, criada entre o Norte e o Sul no uso destas tecnologias e no acesso à informação, ao conhecimento e à educação.

As cifras indicam que o adiantamento tecnológico beneficia principalmente a quem o cria (as transnacionais e o setor privado dos países desenvolvidos orientados a uns consumidores com grande poder aquisitivo). A brecha digital se deve principalmente à ausência de transferência de conhecimentos dos países ricos aos mais pobres, gerando uma exclusão (brecha social) que se acentua cada dia. O problema não só está na carência de infra-estruturas dos países em via de desenvolvimento e o custo que estas representam, mas também nas carências dos sistemas educativos e de capital humano capaz de ensinar como utilizar as novas tecnologias.

Também terá que levar em conta que a brecha não só acentua as diferenças entre o Norte e o Sul, mas também dentro dos mesmos países se acentua a diferença entre os que têm acesso às TIC (as elites) e os que não têm este acesso. Este aspecto é especialmente importante, pois muitos entre nós leitores temos a oportunidade de partilhar nossos conhecimentos para fechar a brecha.

A oportunidade

Mas neste mundo revirado, qual é a oportunidade que nos dará a relativa tranqüilidade demográfica? Como abordar o desenvolvimento de um continente com quase 170 milhões de pobres?

A resposta não é trivial, e provavelmente há muita tarefa pela frente, e muitas coisas para melhorar, mas há duas portas que abrem o passo ao futuro, à formação e às TIC. Essas duas portas terão que ser abertas simultaneamente, porque as máquinas, os cabos e os computadores não transformarão nada, a não ser a paisagem, se não forem acompanhadas por uma sociedade capaz de utilizá-las para obter seus fins, e da mesma forma, um esforço em capacitação e formação endogámica não permitirá aproveitar a oportunidade se não dispuser das ferramentas para o «empoderamento» da cidadania.

Em seu relatório sobre o desenvolvimento humano de 2001, o PNUD fez duas propostas ambiciosas para fazer frente ao «analfabetismo digital»: o acesso livre à Internet e a inclusão de políticas específicas para superar a brecha tecnológica no marco da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento. É uma responsabilidade internacional fazer frente a este fenômeno mundial. Governos, organizações internacionais, empresas e sociedade civil têm que promover o uso das TIC, posto que nos encontramos em um problema não só tecnológico, mas também sócio-político e de desenvolvimento humano.

As ONGs e a cidadania têm um papel importante na promoção do desenvolvimento e na transferência de conhecimentos para o outro lado da brecha, exemplificando o bom uso das TIC. A Internet pôs ao alcance das ONGs um instrumento de baixo custo por sensibilizar a sociedade civil em nível mundial, podendo difundir informações sobre a situação humanitária em qualquer parte do mundo e promovendo a solidariedade e o voluntariado. Também facilitou a gestão das organizações que operam em nível internacional de forma deslocada e permitiu o assessoramento gratuito e formação dos profissionais do terceiro setor que se encontram no território, assim como o intercâmbio de experiências e a criação de redes internacionais para defender uma mesma causa.

A proposta

Queremos ir para uma sociedade do conhecimento que não crie mais exclusão, e para isso demandamos:

- A cada um de nós, privilegiados usuários das TIC, que compartilhemos nossas habilidades e conhecimentos com outras pessoas.

- À sociedade, que, diante de cada avanço tecnológico, procure a referência dos «e- excluídos».

- Às administrações públicas, que estabeleçam programas concretos para pôr Internet a disposição de todos, e atividades de formação e «e- inclusão» realizadas pelas associações não lucrativas locais.

- Às associações locais, que incluam o uso das TIC para melhorar sua comunicação e organização.

- Que sejam as organizações locais da sociedade civil as que lideram as ações de base que permitam a formação e inclusão de milhões de pessoas concretas no uso regular das TIC.

 

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Ramon Bartomeus, Marta Casanova e Laia Duran